domingo, 15 de março de 2009

Dolls (2002)


Dolls (2002 ) - Takeshi Kitano

O nome deste filme pode tanto ser baseado na inspiração para estas histórias, o Teatro de Bonecos japonês, chamado "Bunkaru", quanto no fato de todos os seus personagens serem marionetes em um grande jogo da vida sobre o amor.

São três histórias intercaladas mas que não têm influência uma sobre a outra, contudo o tema do amor/sofrimento é o grande ponto de ligação entre eles.

Em primeiro lugar temos o garoto que subitamente deixa sua namorada para ir se casar com a filha do dono da empresa. Seus pais conseguiram fazer sua cabeça e o pai da noiva dera um grande dote para a família. Contudo, a antiga namorada do garoto, ao fracassar numa tentativa de suicídio, fica com sequelas que a deixam com a idade mental de uma criança. Ela não se lembra mais de nada e não consegue falar. O garoto, ao saber disso, deixa a noiva no altar e foge de casa para poder ficar com a antiga namorada. Vemos então sequências de beleza magníficas pois os dois jovens não conseguem se comunicar e não têm mais para onde ir. Porém algo faz com que o garoto não queira desgrudar dela, algo que só vamos descobrir no final do filme.

A idade mental da garota faz com que ela seja muito inconsequente. Isso faz com que o garoto tenha que se amarrar à garota com uma corda. Mais do que a função instrumental desta corda a beleza dela está no fato de ser o representante perfeito daquilo que se passa no coração do garoto. Eles não podem se comunicar, todas as formas de carinho não são mais reconhecíveis para a gorata, portanto, a corda é o único símbolo de união entre os dois, e é uma união forte e voluntária por parte do garoto. As pessoas ao redor não entendem do que se trata dois maltrapilhos andando amarrados por aí, nem sem se comunicarem, porém a força da imagem é o que dá o nó na garganta de quem está assistindo.

Vale lembrar que a trilha sonora deste filme pertence a nada menos que Joe Hisaishi que, entre outros filmes, musicou todos os do Miyazaki (Chihiro, Totoro, Mononoke, etc).

Ainda se intercalando temos a história do chefe da máfia japonesa. Ele é um homem forte que há muitos anos, ao se sentir fraco e achar que não poderia dar uma vida dígna à sua namorada, partiu em busca de poder, dizendo que assim que conseguisse voltaria para ela. Ela, então responde que estará sempre alí para esperá-lo. Porém é ele que não volta, envergonhado de tê-la deixado por tanto tempo. Mesmo que a máfia o tenha feito um homem forte e duro ele aindavai até o local onde sua namorada disse que eperaria, e ela está lá. Porém ele sempre fica à distância e nunca fala com ela. Eles já estão muito velhos, já passaram da meia-idade. Porém ela sempre está lá, espera, e volta para casa. 

A beleza, aqui, está naquilo que não acontece. É angustiante perceber naquele velho sua falta de capacidade de ir até sua antiga namorada, se sentar no banco do parque e comer com ela o almoço, e, ao mesmo tempo, a frieza com que consegue ordenar a morte de um amigo traidor. E isso, neste filme, se torna belo. E só é belo quando fala sobre nós mesmos.

Por fim, temos a história da cantora pop que, ao sofrer um acidente, não permite que ninguém a veja. Seu maior fã, que nunca conseguira falar com ela, pois ele é muito normal frente aos fãs "produzidos" que ela tem ao redor, percebe que a única forma de se encontrar finalmente com ela é furando os próprios olhos para não poder vê-la, já que esse é o motivo da cantora não receber visitas.

Mais uma vez temos a beleza sobre aquilo que é a negação das coisas. Apenas quando a imagem da cantora lhe é proibida é que ele tem total acesso à ela. Eles passam uma tarde juntos e ela se mostra um belo ser humano para com ele. Seus sonhos foram completamente realizados pois, uma vez no plano platônico deste amor ele não pode viver com ela, a experiência é justamente pautada na distância que existe entre os dois.

Ele volta para casa ouvindo as músicas pop em seu mp3.

Finalizando, se este filme tivesse que ser contado em uma imagem, ela seria esta que postei aqui. Os dois namorados, amarrados mas que não podem se comunicar, nem o toque tem algum significado para a garota, andam à procura de alguma coisa que faça com que disperte novamente, na garota, a lembrança de quem ela é e, principalmente, que ELE é para ela. Eles não têm mais nada senão um ao outro e as roupas do corpo. O mundo ao seu redor é imenso, porém é belo. E eles vão continuar andando, juntos.

Absolutamente, um filme para se assistir no escuro, em tela gigante, deitado e com alguém muito querido. Ou muito sozinho.

quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Mad Max I, II e III

Não tenho realmente muita coisa para falar desses filmes em separado, porém, quando comparados esses filmes têm muito a dizer sobre o cinema e o imaginário pós-apocalíptico dessa época.

Em primeiro lugar Mad Max, o conceito, me chamou a atenção por justamente tratar da vida de pessoas em um cenário pós-apocalíptico em que o ser humano e o meio em que ele vive estão deteriorados e recentemente destruídos por guerras ou escasses de recursos. Quem conhece a série de games Fallout entende o que significa a tal "wasteland", ou seja, a terra devastada, sem recursos naturais e quase que sem humanidade no sentido das características que tornam uma pessoa humana.
Em Mad Max (1979) o mundo, mais especialmente a Austrália, está passando por uma crise política e econômica que faz com que se proliferem grupos fora-da-lei como os motoqueiros do filme. É interessante observar como são esses motoqueiros. Eles são retratados quase como animais, suas vidas se resumem a vagar com sua guangue atrás de comida e combustível. Isso é o básico da sobrevivência. Os valores éticos e morais também os fazem vingar a morte de um parceiro respeitado, porém não há justiça nesse ato, há apenas vingança, olho por olho, dente por dente. Achei muito interessante o fato de eles não se comunicarem muito, a não ser por barulhos e gestos bastante animalescos. Esses são os homens do futuro, os fortes que sobrevivem através da lei do mais forte, o que grita mais alto.
Do outro lado está a representação do poder do estado na figura dos patrulheiros, dos quais Max (Mel Gibson com 10 anos de idade) faz parte. Os patrulheiros usam os carros oficiais, possuem um uniforme e seguem seu protocolo: deter os motoqueiros fora da lei. Pode-se notar, logo de início, que os patrulheiros desse futuro também não são muito diferentes dos motoqueiros pois, com um pouco mais de sofisticação, sua vida também não passa de deter ferozmente os motoqueiros durante o dia e ter alguma diversão simples a noite. E eles não sabem fazer mais nada além disso.
Os patrulheiros estão subjulgados ao governo do local, representados pelo promotor público. Assim que o primeiro motoqueiro é preso em flagrante, ao lado de um carro destruído, completamente drogado e com uma mulher nua acorrentada por perto, ele é levado para a delegacia. Porém, após alguns minutos o promotor entra na delegacia e exige a soltura do motoqueiro que, a contragosto dos policiais, volta para as ruas imediatamente. Pode-se notar, portanto, que o futuro retratado é um completo caos pois não somente os fatores naturais estão contra os patrulheiros como o governo local libera os motoqueiros presos assim que seu chefe aparece na cidade.
Em termos "pós-apocalípticos" Mad Max (1979) é um grande filme pois, não bastasse tudo o que já citei, o fim do filme mostra toda a família dele ser destruída pelos motoqueiros, o que o torna "Mad". Infelizmente a mulher de Max se encontra com os motoqueiros por PURO acaso, o que diminui um pouco a força da história, porém, após esse encontro mulher e filha são brutalmente atropeladas, destruíndo o último pilar que mantinha Max com alguma humanidade. A partir de então ele se torna nada mais que um "motoqueiro num carro V8" pois ele sai à caça, literalmente, procurando vingança.

Em seguida temos Mad Max 2, na época com o nome original de "Road Wariors" (1981). O filme é uma excelente continuação da história de Max e também um imenso aumento na qualidade da imagem do filme. Em uma breve introdução que utiliza trechos de Mad Max 1 ficamos sabendo que o mundo entrou em colápso, conhecemos os tipos "motoqueiros" e o valor que o combustível passou a ter após tudo isso.
Max é um homem solitário, carrancudo, que anda em seu V8, utilizado nas vinganças contra os motoqueiros que mataram sua mulher. Contudo, tudo indica que ele está mais velho e muito mais experiente em matéria de viver sozinho vagando pelo mundo, que agora não parece mais uma cidade do interior da Austrália mas realmente um deserto.
Max realemente perdeu quase toda sua humanidade. Pode-se perceber isso no momento em que ele rende o homem do girocóptero e faz dele um tipo de escravo.
Assim que Max percebe, com seu instinto animal que tomou o lugar do humano, a presença de alguns motoqueiros e de um forte com um caminhão tanque, ele pára e monta acampamento para poder estudar a situação. Nesse momento o filme mostra que veio representar a terra arrasada do futuro destruído pois assim que alguns carros tentam fugir do forte para buscar reforços os motoqueiros interceptam um a um, matam os homens e se aproveitam das mulheres, que também são mortas em seguida. Tudo isso é visto através da luneta de Max, à distância, pois não é possível fazer nada para impedir e aquilo também não diz respeito a ele, e sim ao mundo em que vive.
Max ajuda um sobrevivente desse massacre fazendo um acordo de que ele o levaria de volta ao forte se o homem prometesse combustível. Trato feito o homem morre ao chegar no forte e o acordo morre com ele. Porém Max usa suas habilidades para ganhar a confiança do povo do forte e faz um novo trato de que faria com que saíssem de lá vivos e com o combustível em troca de todo o combustível que Max pudesse carregar.
A partir de então o filme mostra a tentativa despercebida de Max de restituir sua humanidade e ao mesmo tempo o mundo nada humano à sua volta. Quase todos os guerreiros do forte mais próximos de Max vão sendo mortos sem cerimonias nem lágrimas assim como os motoqueiros também vão. Por fim, Max acaba novamente sozinho, porém com as dívidas pagas.

Finalmente, Mad Max e a Cúpula do Trovão (1985). Após o sucesso de Mad Max e Mad Max 2, o personagem começou a mostrar que poderia fazer dinheiro em Hollywood, e aliás, não precisaria mais ser dublado por atores norte-americanos. Dessa forma, surgiu esse último filme da série, com Tina Turner no papel da "vilã".
É interessante notar que todo o aspecto desertico dos filmes anteriores foram substituídos por um cenário mais "Star Wars", com bichos fantásticos, anões, arte oriental e outras coisas mais. O mundo pós-apocalíptico foi substituído por um mundo fantástico, quase "há muito tempo atrás numa galáxia distante". Inclusive com a presença dos Ewok, representados pela tribo de crianças que esperam que o Capital-qualquer-coisa volte. É quase ridícula a cena em que a garota pega uma espécie de tela de televisão para contar a história dos povos antigos e da queda do avião do tal Capitão-sei-á-oque.
Ainda que os roteiristas, os mesmos que escreveram e dirigiram o I e o II, tenham tentado colocar um pouco de humanidade não só em Max mas em todos os habitantes desse mundo, fiquei com a impressão de que o que conseguiram fazer foi deixar todo mundo como uma criança que faz as coisas erradas porque apenas não param pra pensar direito e que, no fundo, todo mundo é meio que desculpado pela carinha inocente que faz.

Há rumores de que está em pré-produção um Mad Max 4. Espero que esqueçam que existiu Matrix e se prestem a fazer um filme mais denso ao invés de mais pirotécnico, como já haviam feito em Mad Max I e Mad Max II.

terça-feira, 30 de dezembro de 2008

The Godfather (1972)

The Godfather (1972), por Francis Ford Coppolla
No Brasil: O Poderoso Chefão

Essas traduções de nome de filme são bem bizarras. Ora! Não deveria ser "O Poderoso Chefão", e sim "O Poderoso Padrinho"!
Vou retomar o que havia dito no meu outro blog: é um filme muitíssimo bem feito. Parece até uma produção da Metro-Goldwyn-Mayer, A MGM!

Nos aspectos técnicos, achei o filme impecável. A iluminação e a edição de imagem são perfeitas, o que confere um toque sofisticado e natural, nada daquelas filmagens amadoras, que dão a impressão que você está num estúdio de gravação. Um exemplo disso? Hamlet. Assisti alguns minutos e tive a sensação de estar assistindo um filme sem editar... E as legendas são brancas! Argh!
Os atores também são fodões demais, com destaque para Marlon Brando e Al Pacino. Só achei que o primeiro ficou com a cara meio dura, que suponho ser devido à maquiagem. Ele foi envelhecido para encarnar o Don Corleone, não?

Enfim, apenas gostaria de tê-lo assistido sozinha, com mais atenção e menos luz na cara (assistir filme de tarde é triste!). Qualquer dia o alugarei de novo e farei uma crítica mais bem-feita.

sexta-feira, 26 de setembro de 2008

Notícias de uma guerra particular - (1999)

Notícias de uma guerra particular (1999) - Kátia Lund e João Moreira Salles

Ainda não assisti ao "Tropa de Elite". Não sei se tenho vontade ou ainda coragem de ver o filme do começo ao fim sem parar. Contudo, já conheço boa parte da história, das cenas, e tudo o mais. Não sei se o filme trata do problema que levou à formação das favelas e consequentemente ao tráfico de drogas, mas sei que, querendo ou não, ele trata da desigualdade social no Brasil.
O problema da violência nos morror do Rio de Janeiro existiam há muito tempo, assim como existe violência similar nas favelas de São Paulo, contudo, a mídia só começa a expor tais problemas no momento em que as balas perdidas vêm de encontro às cabeças da classe média.
"Notícias de uma guerra particular" foi um dos primeiros filmes a adentrar a favela para mostrar o que ocorre lá dentro e tentar elucidar o porque do que ocorro por lá. Assim que foi lançado este filme foi deixado um pouco de lado pois tratava de um assunto muito "pesado" e, principalmente, tratava de um assunto que é repetidamente varrido para baixo do tapete: a desigualdade social brasileira.
"Notícias..." aborda a favela de dentro, a polícia de dentro e os moradores da favela de dentro. Os depoimentos são quase absurdos, saídos de scripts de cinema ou ainda de jogos de computador. Os horizontes e a expectativa de vida dessas pessoas que moram nos morros, que entram nos morros e que defendem os morros é quase nula. Ninguém consegue prever uma saída daquele tipo de vida. Como diz o soldado do BOPE, aquela guerra entre a polícia e os bandidos já se tornou uma guerra particular.
Gostei muito dos depoimentos do delegado (o cara barbudo, meio ruivo). Como delegado (naum sei se é mesmo delegado), ele precisa encontrar meios de deixar 2 milhões de pessoas sob a lei e quietos, por outro lado, como ser humano, ele procura meios de fazer com que as coisas melhorem de verdade, sem o apelo às armas e à violência. Contudo, ele também não vê saída: teriam que desativar os fabricantes de armas nos EUA, criar meios de o Estado entrar na favela, entre várias outras coisas que beiram a utopia.
Do outro lado, os garotos que entram para o tráfico, os "soldados" do morro e toda a gente envolvida não consegue encontrar outra alternativa de vida que não seja essa da violência. A falta de educação adequada e o abandono por parte do Estado acabam por não instruir corretamente essas pessoas a respeito do consumo, trabalho, impostos, cidadania, entre várias outras coisas. A única coisa que entra na favela com maior facilidade que a cerveja e a cachaça é a televisão.
O jovem que não tem o que fazer da vida e mora em um lugar quase subhumano, encontra no mundo fora da favela o consumo e o status. Aliás, na sociedade atual somos aquilo que consumimos. Dessa forma, um tênis Nike ou "Rebóque" são os horizontes desses garotos que vêem nos produtos caros uma forma de ascenção social. Sendo assim, as formas mais fáceis de se conseguir os produtos é através do tráfico e do roubo. Esses garotos, ao entrar para o tráfico, recebem em dinheiro, por semana, mais do que seus pais recebem por um mês de trabalho, ainda sem qualquer reconhecimento social. Pelo filme, vemos que a maior parte das falas desses garotos é a favor do crime como forma de ajudar nas despesas da casa, comprar as roupas e eletrodomésticos para as mães e pais que jamais poderão comprar tais produtos.
Voltando ao filme em si, não gostei muito da edição em relação às músicas colocadas durante o filme e alguns cortes das entrevistas. Quase todas as vezes a música atrapalhava o entendimento do que os entrevistados estavam falando, além de me distanciar um pouco do problema em questão, pois a trilha sonora fazia parecer que aquilo era um filme de ficção. Quanto às entrevistas, prefiro assistir ao Coutinho pois seus filmes têm poucos cortes durante as entrevistas. Contudo, o João Mereira Salles mandou muito bem ao deixar uma de suas falas perguntando algo ao ex-chefe de quadrilha. Além disso, existe uma versão deste filme com um DVD extra com todas as entrevistas completas. Isso mostra o cuidado dos diretores em fazer com que este filme se torne um aviso e um produto para a reflexão sobre a violência e a desigualdade social.
Agora, a tal da Indústria Cultural sempre engloba tudo, inclusive aquilo que vai contra a própria indústria cultural. "Notícias...", após ficar na geladeira da mídia por algum tempo, voltou com toda a força em "Cidade de Deus", "Carandirú", "Tropa de Elite". Inclusive (aqui prefiro não fazer juízo de valores), alguns dos diretores do "Notícias..." estão presentes nesses outros filmes, assim como alguns "personagens" e depoimentos do filme do João Moreira Salles serviram aos outros filmes.
Não é atoa que, ao assistir "Notícias..." encontrei nas falas dos entrevistados quase todas as cenas do "Tropa de Elite". Contudo, foi a ficção que ganhou os prêmios e as palmas do mundo todo. E, atualmente, filmes violentos sobre favela estão com tudo.

terça-feira, 23 de setembro de 2008

As férias do Sr. Hulot (1953)

Les Vacances de Monsieur Hulot (1953) - Jacques Tati
No Brasil: As férias do Sr. Hulot

"O capitalismo é feito de muitas palavras". Essa é uma das pouquissimas falas do filme, dita pelo personagem jovem que fica lendo o dia inteiro e se mostra bem chato.
"As férias do Sr. Hulot" é um desses filmes em que muita coisa acontece sem que se precise explicar o porque de tudo. Acima de tudo é um filme que remete aos antigos filmes silenciosos uma vez que podemos notar uma total redução de diálogos ao longo do filme. Logo de início, na cena do trem, em que os passageiros ficam perdidos, ouvimos a voz que sai dos auto falantes na estação. Porém não é possível decifrar nem mesmo uma palavra do que está sendo dito.
Vemos um punhado de gente se aglomerando para pegar o trem até que surge o simples carro do Sr. Hulot, um calhambeuqe caindo aos pedaços e muito barulhento que é constantemente ultrapassado pelos enormes carros que também vão na mesma direção deixando muita poeira para trás.
Este filme é uma crítica, porém bastante sutil e até despretenciosa, mostrando as férias da burguesia francesa. Existem diversos personagens caricatos como o veterano comandante de guerra, o gordo que recebe inúmeras ligações de vários lugares do planeta, o dono do hotel, enfim. Contudo "As férias..." não se propõe a apontar o dedo, pelo contrário, por meio de Hulot este filme apresenta a convivência dessas pessoas em seu meio de lazer.
Acredito que o personagem Mr. Bean tenha se inspirado muito em Jacques Tati pois ambos retiram os diálogos das ações fazendo com que as imagens e os efeitos sonoros falem por si mesmos. Este tipo de humor é um tanto difícil de fazer e de ser aceito. Há algum tempo me lembro de ver Leslie Nielsen (o velhinho do cabelo branco que faz comédias) dizendo que seu programa de tv que daria origem a "Corra que a polícia vem aí" foi um grande fracasso justamente porque o programa não cabia no veículo de comunicação. Ele disse que as pessoas não assistem a TV, mas a usam como um passatempo similar ao rádio. Uma vez que os programas de Leslie se resolviam na imagem, muita gente não entendia as piadas pois elas sequer estavam olhando para a TV. É por esse motivo que os seriados norte-americanos têm tanta conversa e "sacadinhas", pois são nessas sacadinhas que as pessoas devem rir. Não importa que se esteja olhando para a TV para entender uma piada completa incluindo Ross, Rachel e Joey.
Voltando à relação Hulot e Mr. Bean, ambos são descritos pelos prórprios criadores como personages dotados de uma certo espírito de criança. Muitas das graças de Mr. Bean vêm de alguma armação que ele faz com alguém, além do personagem ser bastante vingativo. Hulot parece ser bastante criança a ponto de soltar a corda do barco e depois chutar a bunda do homem que supostamente está espiando as mulheres. Em todos esses casos, Hulot corre para se esconder assim como faria uma criança.
É importante ressaltar que em "Hulot" temos um recorte quase "aleatório" de umas férias da burguesia francesa. Tanto o é que o filme não apresenta reviravoltas, não desenvolve nenhum personagem, muito menos um final que amarra toda a narrativa. Trata-se de um retrato que, me lembro muito bem, se parece muito com a cena do livro (sim, para mim é uma grande foto-cena) "Onde está o Wally", na página da praia. Se percorrermos as duas páginas prestando atenção aos personagens podemos conhecer muito sobre eles. Os personagens de "Hulot" também são assim, ainda que caricatos e bem planos, possuem suas histórias particulares.
Não fiquei gargalhando do começo ao fim, acho que não gargalhei em momento algum, mas este filme é muito engraçado e também é um ótimo filme para se assitir com gente que não tem o costume de assitir filmes ou ainda para as pessoas que odeiam "filmes cabeça". (Ainda que este seja um "cabeção")

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Pingue-pongue da mongólia (2005)

Lü cao di (2005) - Ning Hao
No Brasil: Pingue-pongue da mongólia

Gosto muito desses filmes parados orientais. Parece que eles dão um certo tempo para pensar.
Mas não poderia ser diferente disso um filme sobre um grupo de mongóis que vive no campo, em cabanas e que criam ovelhas para o consumo próprio. Os cenários do praire são sempre vastos, pontuados por poucos closes, só para lembrar que alí existe uma câmera de cinema. As falas são as essenciais, sem firulas e as pessoas se comportam da maneira menos floreada o possível, talvez um traço dos povos rurais.
Este filme mostra a tempo todo o contato do povo rural com as novidades da globalização, vindas da cidade por meio de um humilde mercador e sua caminhonete, que cobra em cabeças de gado. Logo no início vemos dois personagens desajeitadamente esperando para tirar uma fotografia em frente ao palácio da Praça da Paz Celestial, em Pequim. Contudo, logo se percebe que eles estão diante de uma montagem com a foto da praça. E já de cara se percebe que eles não pertencem à esse mundo para o qual estão posando. Suas vidas se dão no campo, cuidando de suas próprias vidas.
Enquato vai buscar água, o garoto encontra uma bola de pingue-pongue flutuando rio. O fato de ser branca, lisa e flutuar o chama a atenção. Ninguém sabe responder o que seria aquilo. Para a avó, trata-se de uma pérola brilhante. Os meninos, então passam a noite esperando que a pérola brilhe. Sem sucesso, vão até o altar rezar para os espíritos, pois quem sabe a pérola assim brilhe. Mais um vez sem sucesso eles voltam para casa e levam uma surra da mãe.
Eles já sabiam que apanhariam, mas isso não impede que tentem fazer aquilo que desejam, essa é a sua cultura. Em uma cena a mãe se pergunta "como podem educar os professores da cidade se eles não batem nas crianças?". Percebe-se aqui que as mães não têm a mínima maldade quando batem em seus filhos após estes a deixarem preocupadas com seus recorrentes sumiços.
Gostei também de ver a briga dos garotos mais novos com os mais velhos. Os mais velhos implicam com os mais novos e a discussão é resolvida em um tipo de duelo, que mais tarde se percebe que para eles se trata de um tipo de esporte. Após defenderem seus pontos de vista e sua honra por meio das palavras os dois garotos lutam um tipo de judô cujo objetivo não é ferir o adversário, mas levá-lo ao chão. Isso parece ser tão corrente que todas as pessoas ao redor sequer fazem algo com relação ao "duelo", eles nem são contra, nem a favor, simplesmente ficam onde estão, alguns ainda nem olhando para os dois garotos.
Uma cena me emocionou, o pai do garoto de boné leva seu filho para pedir desculpas por ter trocado a bola de pingue-pongue por um aro. Essa cena mostra com muita força a educação e os costumes desse povo. Os pais querem que os garotos façam as pazes pois "os irmãos do praire repartem tudo". Parece absurdo mas o pai do garoto simplesmente pega a bolinha de pingue-pongue e a corta no meio, para que cada garoto tenha uma metade. A bolinha cortada significa muito mais que a bolinha inteira, que até o momento não serviu para nada a não ser unir os garotos, já que só mais pro final do filme eles descobrem que aquilo é um bola de pingue-pongue "da nação". A bolinha cortada volta a aparecer quando o garoto descobre que a família do seu amigo foi embora. Ele simplesmente monta em seu cavalo e vai até onde era a casa do amigo. Sem encontrar mais nada no local, vemos que ele segura a metade com força: possivelmente ele nunca mais verá seu amigo e isso parece o deixar triste.
Contudo, não só o tempo como a noção de tristeza é muito diferente para esse povo. A partida do amigo não é nenhum melodrama pois não passa de um evento da vida. O fato de a irmã entrar para o grupo de dança também não cria nenhuma reviravolta no cosmos e os pais, ao se despedirem dos filhos que vão para a cidade apenas os beija, abençoa e acenam, até que sumam de vista. Depois voltam para suas vidas. Assim como voltam para suas vidas o irmão e a irmã.
Ainda que o motivo do filme seja a bola de pingue-pongue, o filme é sobre muito mais coisas do que a simples aventura da bolinha ou do menino com a bolinha. Por esse motivo, repito, é necessário que este filme seja lento, contamplativo e com poucas falas.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Um estranho no ninho (1975)

One Flew Over the Cuckoo's Nest (1975) - Milos Forman
No Brasil: Um Estranho no Ninho

Sempre tive a curiosidade de assistir "Um estranho no ninho", porém a capa tanto do DVD quanto do VHS me faziam pensar que se tratava de um filme sobre a Segunda Guerra Mundial ou ainda um cara que entra literlamente de gaiato num navio. Achava até que seria uma comédia, no caso do navio. Também, o Jack Nicholson com aquela touca na frente de uma cerca com arames farpados....
Mas a questão é que não se trata de comédia, muita coisa aqui não é para rir.
Em primeiro lugar vemos um filme sobre um trapaceiro que aparentemente se faz de louco para sair da prisão e ir desfrutar de seus ultimos 60 ou 70 dias de retenção em manicomio confortável, do qual ele pode sair a qualquer momento. Contudo percebemos que Mac, que parecia ser o vilão da história, não é tão baixo quanto o sistema do manicômio que mais parece um sistema carcerário pois alí a liberdade é quase inexistente. Além das grades, cercas, filas e horários rigorosos os integrantes do local são privados de sua própria individualidade. Aos poucos vamos percebendo que aquele lugar não resolve problemas mentais mas os deixa ainda pior com os recalques e submissões que são obrigados a obedecer para não irem parar na cama de choques. Todos alí sabem das punições, nós só percebemos no momento em que Mac é levado para a outra ala do hosítal que mais parece um local surreal cheio de ex seres humanos que levam aqueles choques frequentemente.
Aos poucos Mac se torna um herói aos olhos dos internos pois é ele quem traz um pouco de mudança nas rotinas, entre elas a de obedecer as ordens da enfermeira e seus capatazes. O ponto máximo dessa elevação de Mac é mostrado no momento em que o gago fala normalmente com a enfermeira, logo após ser encontrado com a garota na cama. Os problemas do garoto foram, de certa forma, resolvidas naquele quarto ao passar a noite com a garota de Mac. Contudo, percebemos que o maior medo do garoto é sua mãe, e a enfermeira sabe muito bem disso ao chantagear o garoto dizendo que contará tudo o que fizera à mãe do gago. Nesse momento mostra-se a força do sistema que rege aquele manicomio pois o garoto volta a gaguejar com muito mais intensidade e, coberto de culpa, corta o próprio pescoço com um caco de vidro. *Desde que vi de relance uma garrafa estilhaçada no chão fiquei me perguntando se aquele enquadramento seria de graça =) *
Todo o controle que Mac tinha até o momento também vai pelos ares. Ele parte para a agressão física, quase matando a enfermeira. Por fim, nem mesmo a agressão física consegue derrubar o sistema.
As cenas finais são muito bonitas. O "chefe", um amigo de Mac que se apresentava como surdo e mudo, ao ver que seu amigo está se tornando um vegetal devido possivelmente aos choques e drogas que vem sendo forçado a tomar, decide torna-lo herói definitivo. Após acabar com o sofrimento de Mac, o "chefe" usa toda sua força para arrancar a torneira de mármore da sala de banhos e a arremessa contra a janela, exatamente como Mac apostou que faria para poder escapar daquela prisão. Um dos internos acorda e grita extasiado que Mac conseguira fugir e vemos o "chefe" correndo em direção ao infinito, até sumir de vista.
Qualquer dia desses farei um post sobre o "Chock Corridor" do Fuller (Paixões que Alucinam, no Brasil), mas não dá pra deixar de notar o mesmo sistema "carcerário" dos manicômios retratados. Inclusive são lugares que tratam os internos como detentos de uma prisão e que a cura e a melhoria de vida dessas pessoas não está nem em segundo plano. "Bicho de Sete Cabeças" deve ter pego inspiração nesses dois filmes, com certeza.
A questão é o seguinte, em se tratando de um lugar para aliviar o sofrimento de pessoas "anormais", nesse filme devo ter visto uma ou outra demonstração de afeto como um abraço ou coisa parecida. Quando ocorria era entre o mesmo grupo, internos com internos. Nunca médicos com médicos ou, o mais importante, médicos com os internos. O fato da enfermeira negar por duas vezes que eles assistam a liga mostra que, ainda que pareça que eles querem ajudar a cura das pessoas, eles não sabem muito bem como fazer isso pois se escondem atrás dos uniformes e leis da medicina e da sociedade. Somente com a aparição de Mac que o "chefe" se mostra capacitado de falar e ouvir, o gordinho do cigarro se revolta contra sua situação, o gago fala normalmente e os outros são, pela primeira vez, pescadores.
Sugiro que, caso alguém alé do meu computador esteja lendo isso, assita "Chock Corridor" (1963) e o "Bicho de Sete Cabeças"(2001).